Existe relação entre a má oclusão, a ATM e a postura corporal?

A imagem abaixo sobre oclusão e postura correu a internet durante algumas semanas resultando em veementes discussões nas redes sociais, que giraram em torno da pergunta: existe relação entre postura corporal e oclusão?

oclusão e postura - mito ou realidade?

oclusão e postura segundo Bernard Bricot

A imagem que causou tanta polêmica é do livro de posturologia do prof. Dr. Bernard Bricot da França, um cirurgião ortopédico que se dedica a estudar a postura corporal, o equilíbrio, a locomoção  e suas relações com os diversos sistemas do corpo.  Algumas de suas idéias, como a associação entre oclusão dentária e postura corporal se disseminou em larga escala no Brasil, particularmente entre fisioterapeutas e dentistas especialistas em ortopedia funcional dos maxilares (OFM).

Acontece que muitos trabalhos científicos recentes, como este – Dental malocclusion and body posture in young subjects: a multiple regression study onde foi feita uma investigação cuidadosa à luz de métodos científicos modernos, basicamente, concluíram que não há relação entre má oclusão e postura corporal.   Assim, a polêmica se construiu, sendo um lado composto profisionais que defendiam a visão do Prof. Bricot e de outro os que afirmavam que a ciência atual não oferece suporte para essa correlação e que essa ideia seria apenas um dogma, ou seja, um conceito baseado na opinião de uma autoridade, que estava sendo seguida cegamente como um “oráculo”, sem bases científicas.

Mas será isso mesmo?

De fato, não há um bom suporte científico para correlacionar oclusão e postura, mas a respeito de que “oclusão” esses trabalhos estão se referindo? A GNATOLÓGICA! Ou seja, as más oclusões segundo as classes de Angle (como na figura acima) e vários outros parâmetros gnatológicos, que já se sabe, não serem referência de saúde. Aliás, a oclusão gnatológica também já foi um dia a suposta culpada das DTM e a ciência também tratou de mostrar que isso também era um equívoco! Portanto não há correlação científica entre oclusão gnatológica e postura.

Mas será que a posição da mandíbula tem a ver com a postura? A resposta é sim, a posição da mandíbula tem relação com a postura! Mas qual é a relação?

Relação entre a posição da mandíbula e a postura corporal

Do ponto de vista evolutivo, a postura vertical dos seres humanos requereu  profundas mudanças em componentes estruturais do crânio e do corpo. Com a mudança do centro de gravidade, a postura bípede, ereta, necessitou então de um alinhamento de todas as estruturas corporais ao longo de um eixo vertical e, para poder equilibrar a cabeça no ponto mais alto dessa estrutura, uma mudança no formato do crânio ocorreu. Isso implicou sérias modificações  nos maxilares, nas vias aéreas e novas vias neuromotoras que deveriam controlar o sinergismo muscular de forma a manter o equilíbrio vertical e ainda assim permitir que o indivíduo estivesse pronto para se movimentar.

A figura acima mostra diferentes ATM e as setas indicam o trajeto de movimentação. Basicamente, apenas os humanóides, desenvolveram a capacidade de transladar o côndilo (imagem à direita), para poder manter a posição bípede e respirar sem problema.

Todas essas mudanças implicaram a incorporação do sistema mandibular na parte pré-cervical do sistema postural. O maxilar inferior, além de ser a ferramenta natural para esmagar os alimentos,  tornou-se então um componente estrutural do mecanismo de postura da cabeça.

Com isso o trajeto das vias aéreas,  que nos quadrúpedes se encontra basicamente na horizontal, precisou se “torcer” para manter a nova angulação da cabeça e recuar para acomodar os maxilares mais curtos, criando uma curiosa relação com a articulação temporomandibular, pois os côndilos ( ou cabeças) mandibulares evoluíram para transladar,  ou seja,  se mover para longe da fossa articular, fazendo com que o ponto de rotação da mandíbula  seja próximo ao centro do ramo mandibular e não nos côndilos. Abrir a boca rotacionando apenas nos côndilos implicaria um abaixamento e recuo acentuado do queixo com compressão das vias aéreas .

Atualmente a ciência possui novas evidências quanto a relação das vias aéreas e da ATM com relação à postura do corpo. Se sabe, por exemplo, que a mandíbula é parte integral do sistema postural, que gera movimentos compensatórios durante a locomoção e cuja condição da ATM e relação muscular com o osso hióide, interfere na respiração e na capacidade motora e força cervical. Então por quê  a confusão com a oclusão?

O que leva muitos dentistas da OFM e fisioterapeutas a perceberem na prática clínica uma relação entre a oclusão e a postura é  o fato de que muitas dessas más oclusões são consequências de patologias da ATM e de alterações das vias aéreas, estas sim, as verdadeiras causas das alterações posturais. Muitos são os exemplos que podem ser utilizados para ilustrar essa situação:

Os retroposicionamentos condilares traumáticos e processos degenerativos articulares podem produzir uma “má oclusão de classe II”, em função da retrusão mandibular e com isso afetar também as vias aéreas;  as obstruções nasais, com consequente respiração bucal,  costuma produzir uma má oclusão do tipo “mordida aberta anterior” e assim por diante…

Esses fenômenos sim são justo aqueles que o dentista ou fisioterapêuta observa na clínica: um paciente com uma má oclusão e uma má postura, que parecem estar relacionadas, mas é preciso entender que a má oclusão em si é também uma consequência e não a causa da situação. As artropatias temporomandibulares e alterações respiratórias são os verdadeiros responsáveis pelas alterações posturais.

A má oclusão é também uma consequência - e não a causa - de problemas na ATM

Por isso é fundamental tratar sempre a causa para que as consequências possam deixar de existir

Finalizando, se há uma alteração postural em um indivíduo, é preciso proceder uma avaliação para saber se há componentes ascendentes  e descendentes, sendo que para este último, as condições da ATM, vias aéreas e consequentemente da posição ortopédica da mandíbula precisa ser considerada.

Fiquem espertos!

P.S. Para os que tiverem mais interesse nesse assunto, há uma vasta lista de artigos que, em conjunto, permitem uma melhor visão do tema. Caso queiram, basta me contactar por e-mail.