Fonte: Rev. dent. press ortodon. ortopedi. facial;12(2):38-48, mar.-abr. 2007

Essa é uma pergunta que, constantemente, é feita aqui no blog e a resposta é: depende.

É importante entender que a cirurgia ortognática tem como objetivo a correção de deformidades e discrepâncias das bases ósseas orofaciais (maxila e mandíbula) onde se situam as arcadas dentárias e não é recomendada para tratar disfunções da ATM. Se a deformidade ou a discrepância for decorrente de um problema na ATM, a cirurgia ortognática atuará apenas na consequência e não na causa, aumentando o risco de insucesso e sequelas, bem como a progressão do problema na ATM com diferentes níveis de variação dos sintomas.

Como comentado em outra postagem, certos tipos de problemas oclusais, deformidades faciais e discrepâncias esqueléticas são CONSEQUÊNCIAS de processos patológicos na ATM. Mordidas abertas, assimetrias de face, retrusão mandibular (e a consequente “classe II” oclusal) são alguns dos exemplos e é por este motivo que o tratamento apenas da questão oclusal, seja ortodonticamente ou em conjunto com cirurgia ortognática, pode ficar comprometido se não houver um restabelecimento da saúde da ATM.

Assim, se essas mesmas condições possuírem outras causas que não um problema na ATM, a estabilidade dos resultados e segurança do procedimento costumam ser satisfatórios na maioria dos casos, por outro lado, se a patologia da ATM for ignorada, as consequências podem ser desastrosas. Vejam, por exemplo,  este artigo publicado na revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial.

Segundo os autores, a paciente apresentou-se com uma mordida aberta e sinais e sintomas de disfunção da ATM (dores e estalos), inclusive fazendo uso de placa oclusal. Feito alguns exames, a paciente foi submetida a um tratamento de DTM (até aí, tudo ok!), mas logo depois encaminhada para a ortodontia pré-cirúrgica e em seguida para a cirurgia ( e aí começou a complicar… ) :

Logo, após a cirurgia, a paciente apresentou dores na ATM, limitação da abertura de boca e um recuo da mandíbula de 6mm. Assim, os dentistas esperaram por uma ano, para que ela estivesse sem sintomas de disfunção e re-operaram, sendo que, nesta segunda vez, utilizaram um dispositivo para posicionar o côndilo (afinal o raciocínio era de que a sobrecarga na ATM disparou o processo de reabsorção, logo seria preciso posicionar o condilo melhor para evitar a sobrecarga…).  Resultado desta nova cirurgia: DORES SEVERAS,  descontroladas, que nem anti-inflamatórios, nem analgésicos adiantavam!!! E também voltou a aparecer a mordida aberta devido a um novo recuo da mandíbula!!!

Veja o que diz a legenda da figura 16 deste artigo:

Mordida aberta desenvolvida no pós-operatório da segunda cirurgia.

Será confeccionada uma reabilitação visando o fechamento dessa

mordida.

Ou seja, com a recidiva do problema ela foi operada mais uma vez e, advinhem?  Recidivou uma terceira vez!

Pergunta-se: Como vive uma pessoa assim? Fica sendo reoperada de ano em ano? O que aconteceu que levou o caso a ter esse tipo de resultado?

Bom, essa última é a pergunta que os autores tentam discutir no trabalho, no entanto, é importante  chamar a atenção para um outro aspecto, que é o fato do tratamento da disfunção da ATM ter sido com base apenas na redução dos sintomas. Como eu já mencionei em várias outras postagens aqui no blog, reduzir os sintomas, especialmente a DOR, é apenas parte do  tratamento de uma patologia da ATM e não objetivo em si! Pois a regressão dos sintomas não necessariamente cursa com o controle ou correção da patologia.

Como pode ser visto no artigo, os parâmetros do tratamento foram apenas a melhora das dores e a recuperação da amplitude de abertura da boca, mas isso pode acontecer tanto por uma piora da patologia, com aumento do processo degenerativo, quanto pela resolução da mesma, de modo que não são bons parâmetros para apoiar a decisão em realizar uma  cirurgia ortognática. Tanto é assim, que os autores relatam:

(…) Depois desse período, a paciente encontrou-se com ausência de dores e com abertura bucal e 43mm sem desvios (Fig. 7). Apresentava apenas sons de crepitação nas ATM’s quando da auscultação das mesmas.

Ora, não é uma questão “apenas” de crepitação nas ATM´s!!! A crepitação, que é um barulho similar ao de areia atritando contra superfícies duras  e indica  que a ATM está comprometida, ocorrendo ou contato osso-com-osso ou o disco articular, que se localiza entre os ossos, se encontra desidratado, “enrijecido” e com a superfície áspera, situação típica dos processos degenerativos em andamento. Se for observada a segunda tomografia, pode-se notar que o osteófito (o “bico-de-papagaio”) no côndilo se encontra muito maior, confirmando o avanço do processo osteoatrósico (de deformação da articulação).

Em resumo,  o raciocínio foi certo: só proceder tratamentos reabilitadores como a ortodontia e cirurgia ortognática APÓS o tratmento da ATM. No entanto,  a abordagem terapêutica da patologia da ATM foi completamente ineficiente pelo fato de estar centrada apenas nos cuidados paliativos (tratamento da dor) ao invés de focar no controle da patologia, sendo que os parâmetros utilizados para avaliar o sucesso do tratamento foi apenas a redução do sintomas, especialmente a dor, e a recuperação da  amplitude de abertura bucal, ambos insuficientes como medidas de saúde.

Portanto não realizem nenhum procedimento irreversível antes de ter o controle da situação de saúde ou doença da ATM e leia os tópicos abaixo:

Recomendações internacionais quanto às cirurgias da ATM

Recidivas cirúrgicas, disfunção e patologia da ATM

Eu tenho DTM e meu dentista disse que tenho de fazer uma cirurgia ortognática, devo fazer?

E para quem acha que esse caso do artigo é algo raro de acontecer, dê uma busca no blog e descubra relatos como este daqui: comentário de internauta sobre sua experiência com cirurgias de ATM

Fiquem espertos!